Calmaria & Tempestade



Sentadas à beira de um rio, duas grandes e velhas amigas, Calmaria e Tempestade, olhavam a correnteza da água que sabiamente contornava cada obstáculo que se aproximava delas. De repente, com uma voz profunda e sincera, Tempestade disse: 

- Invejo-te, Calmaria! És tão calma e vive sempre em prontidão. Queria ter apenas um pouco dessa tua capacidade de ser quem és. 

Virando - se para Tempestade, Calmaria olhou-a nos olhos e perguntou – lhe: 

- Como queres viver a calma, se vives em profundos conflitos? 

Tempestade, olhando-a, profundamente, respondeu-lhe: 

- Não tive culpa se, desde a minha geração, fui marcada por conflitos tão violentos que me fizeram pouco tempo repousar e experimentar a delícia de viver o estado da felicidade. 

Segura da sua resposta, Tempestade perguntou para Calmaria: 

- E tu, não tens conflitos? 

Calmaria, com o olhar profundo, respondeu calmamente: 

- Sim, tenho conflitos! Contudo, eu que os coordeno. Dou a eles os pensamentos, os sentimentos e as emoções que os deixam mais tranquilos! Sou o equilíbrio deles! Eles não dominam meu ser; eu os domino. 

Fizeram um momento de silêncio, mas Tempestade a interrompeu e disse: 

- Pois é esta a nossa diferença: tu tens conflitos, mas também é o equilíbrio deles; eu os tenho, mas não aprendi ser meu próprio equilíbrio. Por uma marca de criação, aprendi a ser equilíbrio do outro e não meu. Assim, fui me esquecendo e afundando-me cada vez mais no meu fluxo descontrolado e avassalador dos conflitos constantes... Era como se eu os atraísse para mim, como se eles fossem tudo o que eu soubesse fazer. 

Calmaria, como de costume, ouviu as belas palavras de Tempestade, de forma empática numa acolhida sensível e amável. Permitiu que Tempestade sentisse e desfrutasse um pouco da sua tão bela paz. Num rápido momento, Tempestade acrescentou: 

- Chegou um tempo em que esse poço de desequilíbrio aguçado não estava mais preenchendo minhas lacunas. Elas fazem parte de mim, mas a resiliência também deveria me acompanhar. Assim, decidi descer ao mais sombrio das minhas memórias e (re) conhecer o que estava lá guardada. 

Entusiasmada, Calmaria levantou-se e disse: 

-Muita coragem sua permitir -se ir ao mais profundo do seu ser a fim de trazer de lá seu verdadeiro EU. Um dia, precisei de coragem também para fazer isso e apesar da dor, valeu a pena. Foi satisfatório e me tornei mais conhecedora de mim mesma. 

Ambas riram. Em seguida, Tempestade acrescentou: 

- O homem traz em si o dilema do conflito e isso foi dado a ele. Não mudará. Conflitos que o rodeiam exterior e interiormente. Mas a grande pergunta é: como esses conflitos refletem nele? 

Calmaria sentou -se e, com o olhar distante, olhando o infinito, respondeu-lhe: 

- Os conflitos refletem em nosso corpo, em nossa forma de pensar em nossas ações e comportamentos. Eles revelam o que de fato vivemos interiormente, dizem mais de nós do que nós mesmos conseguimos imaginar. Já dizia um autor: “O exterior deve corresponder àquilo que está dentro de nós”. Se dentro de nós há calma, paz e tranquilidade iremos transmiti-los a nós e ao outro. No entanto, se carregamos escuridão, sombras e inquietudes, será que poderemos oferecer para nós mesmas e ao demais algo diferente? Entende o que eu digo, Tempestade? 

-Sim, Calmaria! Acredito que crescemos ouvindo o tempo todo que precisamos cuidar do outro e quase nada em relação a cuidar de nós mesmas. E isso nos leva a um constante autoboicoite. Diz um sábio que “o homem cresceu espetacularmente para fora de si mesmo e está fatalmente sucumbindo ao desequilíbrio de ter se esquecido do essencial, que é o seu mundo interior” 

Entendo! - respondeu Calmaria. 

Em seguida, Tempestade respirou fundo e completou: 

- Percebi que me deixei para trás por longos tempos e foi isso que estava deixando meus dilúvios tão amargos e desequilibrados. Eu não sabia ter a capacidade da paz interior, mesmo quando o conflito vinha, sabe? E tudo desabava. Tudo mesmo! No aspecto emocional, psicológico e físico. 

Calmaria, levantou -se lentamente e pegou nas mãos de Tempestade, demostrando apreço, perguntou-lhe: 

- Mas... você nunca experimentou a paz interna? Não me refiro a ausência de sofrimento, mas de perceber o quanto é bom sentir-se integrada em si, em seu próprio mundo, consciente da própria existência? 

Pensativa, respondeu Tempestade: 

- Olha, a minha calmaria sempre se alterava de acordo com o meu humor e sempre tinha que me refazer, sempre! 

Com tom emocionado ela continuou: 

- Só depois de entender que o autocuidado, o amor próprio, a autovalorização, a autoaceitação são peças fundamentais para ter controle de mim mesma, foi que aprendi a ter calmaria nas minhas tempestades! Isso me faz um bem danado. Diria que eu precisava de uma reconstrução de uma configuração de vida, que estava bem desequilibrada e quase morta. 

- Entendi perfeitamente, disse Calmaria. 

Nesse momento, um silêncio se fez. O barulho das árvores e o vento sutil tocaram no rosto de Tempestade e ela pode sentir a calmaria em si por alguns momentos, até que de repente, com expressão de surpresa e desespero, disse: 

- Calmaria, leva-me a experimentar o equilíbrio, a resiliência que tu aprendeste nas tuas experiências? 

Calmaria, muito entusiasmada, pegou nas mãos de Tempestade e disse: 

- Jamais permitiria que tu deste adeus sem sentir a beleza e a pureza do querer bem a ti mesma. Porém, é necessário que te permitas confiar em ti e em mim, confias? 

- Claro! - respondeu Tempestade. 

E partiram...


Cleidiane Pereira


Leidiane Pereira




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